Quando o assunto é a especificação da qualidade, parece que estamos diante de um contrassenso. Ao mesmo tempo em que esse é um importante requisito para garantir que os resultados produzidos pelos laboratórios atendam ao que os clientes esperam, é também um tema ainda pouco discutido, seja no Brasil ou no exterior.
Ampliar o nível de entendimento sobre a matéria é fundamental para vencer os desafios que se impõem. E eles não são poucos: das diferentes fontes de referência, que dificultam a padronização, à ainda escassa literatura disponível, passando pelo reduzido número de profissionais que hoje se dedicam ao estudo da especificação. Esses e outros pontos são abordados pelo farmacêutico bioquímico Fernando Berlitz, gestor de sustentabilidade do Grupo Ghanem, em entrevista aos leitores de “Qualifique”.
Especificação da qualidade: um tema em evolução que já virou necessidade
Nos laboratórios clínicos, a especificação se refere aos requisitos que permitirão verificar se os resultados atenderão à função primordial do serviço: apoiar o médico no diagnóstico e tratamento do paciente. Estamos falando, portanto, de um norteador para a gestão da qualidade analítica.
Mais do que uma questão de certificação, ou obrigação legal, a especificação da qualidade é um compromisso do laboratório com seus clientes. “É atender à missão das nossas organizações”, declara Berlitz, gestor de sustentabilidade do Grupo Ghanem (Joinville – SC). O especialista vê muitos motivos para que um tema tão crucial ainda esteja sendo pouco debatido, ou dentro de laboratórios ou em congressos. E reconhece que entre essas razões está a própria natureza do assunto, bastante complexo e denso.
Para Berlitz, porém, estamos diante de uma área que tem muito a crescer. Seja em número de profissionais dedicados ao tema, seja em pesquisa. “É um campo em expansão, mas ainda em velocidade inferior à necessidade dos laboratórios clínicos e de toda a comunidade médica”, alerta o gestor, que discorre mais sobre o assunto na entrevista a seguir.
Como podemos definir especificação da qualidade? Seriam metas a serem atingidas?
Nós podemos entender especificação da qualidade, de maneira geral, como os requisitos (ou desejos, necessidades) dos clientes com relação a um determinado processo e, consequentemente, ao produto ou serviço gerado por este processo. É o nível de qualidade exigido pelo cliente para determinado serviço ou produto que ele está adquirindo.
Nos laboratórios clínicos, trata-se de requisitos do processo analítico para garantir que resultados produzidos pelos laboratórios atendam a um nível de qualidade desejado, contribuindo adequadamente para a sua função primordial, que é a de apoiar o médico das decisões relativas ao diagnóstico e monitoramento do paciente. Esse padrão, ou nível de desempenho ideal, pode ser entendido, sim, como uma meta a ser atingida, como um norteador para a gestão da qualidade analítica do laboratório.
Num plano mais tangível, o que são estas especificações?
Na prática especificamos o erro aceitável de um ensaio. Todo processo de análise tem alguma variação associada e todas as medidas de controle adotadas numa rotina laboratorial são para manter tais variações sob controle, ou seja, num nível aceitável. Quando pensamos em análises quantitativas, tais variações são conhecidas como imprecisão (erro aleatório) e inexatidão (erro sistemático), que quando associadas representam o erro total da análise. Quando um laboratório determina uma especificação da qualidade, ele na verdade está determinando o erro máximo permitido para esse ensaio laboratorial. Um aspecto interessante é que o controle interno e o ensaio de proficiência são as duas formas de controle mais difundidas e antigas para controlar a rotina laboratorial, mas por muito tempo foram adotadas de uma forma mais “superficial”, sem serem avaliadas frente a um erro máximo aceitável determinado previamente pelo laboratório.
Qual a relação entre especificação da qualidade e gestão de qualidade?
A recomendação é de que estes aspectos estejam alinhados. A premissa é de que um laboratório com um sistema de gestão da qualidade adequadamente implantado, eficaz e em processo de melhoria contínua, teria, em geral, uma maior maturidade de seus processos, contribuindo para o atendimento das especificações da qualidade dos ensaios laboratoriais oferecidos.
A gestão da qualidade é um conceito bem amplo e que tem abrangência mais sistêmica na organização. A gestão da qualidade deve ser um conceito que permeie toda a organização, orientado todos os processos e recursos para atender aos clientes e demais partes interessadas.
Quais são as aplicações da especificação?
As especificações da qualidade são úteis e têm aplicação importante em todas as fases, incluindo etapas de planejamento e execução dos processos analíticos. Assim, no laboratório clínico, as especificações da qualidade podem ser utilizadas na seleção de novos métodos ou sistemas analíticos; na validação (verificação de desempenho) desses métodos; na padronização de sistema de controle de qualidade; na avaliação de resultados de controle interno; na avaliação de resultados de ensaios de proficiência.
No caso dos laboratórios, quem estabelece esses requisitos hoje? Normas internacionais, legislação nacional?
Existem algumas referências normativas nacionais e internacionais relacionadas aos requisitos de desempenho de ensaios. No entanto, a maioria delas tem níveis de exigência brandos ou insuficientes frente às necessidades clínicas e ao atual nível tecnológico disponível na maior parte dos laboratórios. Assim, grande parte dos bons laboratórios busca referências mais exigentes e adequadas à realidade atual da medicina laboratorial.
O que é exigido por lei e o que cabe ao laboratório decidir?
Mais do que ver a questão das especificações da qualidade como exigência legal, penso que a utilização dessas especificações na prática é um compromisso do laboratório com seus clientes… É atender à missão das nossas organizações. Especificação da qualidade é a forma de verificar os nossos resultados laboratoriais, certificando a sua validade e utilidade para apoiar a decisão médica. Adicionalmente, a utilização de especificações da qualidade está prevista na legislação, como na RDC 302 (Anvisa, 2005), que fala na necessidade de validação de novos métodos laboratoriais, ao menos os desenvolvidos no próprio laboratório. E, nas definições, nesta mesma RDC 302, está escrito: “4.41 Validação: Procedimento que fornece evidências de que um sistema apresenta desempenho dentro das especificações da qualidade, de maneira a fornecer resultados válidos”. Então, no meu entendimento, a RDC 302, mesmo que indiretamente exige, nesses casos, a definição/utilização de especificações da qualidade para esses ensaios.
Também está referenciada em Normas de Sistemas de Gestão da Qualidade como a ISO 15189 e a Norma PALC. De forma geral, cabe lembrar que as normativas se referem à necessidade de utilização de especificações da qualidade baseadas em critérios cientificamente válidos, entretanto, não há nenhuma orientação definitiva quanto à estratégia a ser seguida, ou seja, não há a recomendação ou referência direta a qual base teórica de especificações da qualidade a ser seguida. Aí está um dos grandes desafios atuais.
Qual foi a contribuição da declaração de Estocolmo, de 1999?
O Consenso de Estocolmo é um grande marco histórico na questão das especificações da qualidade. O principal legado dessa conferência, a classificação hierárquica das diferentes bases de especificações da qualidade, proporcionou um avanço no processo de disseminação do tema entre os laboratórios clínicos, pois representou a primeira referência cientificamente válida para apoiar os laboratórios na difícil seleção de especificações da qualidade para seus ensaios. O Consenso de Estocolmo provocou importantes iniciativas posteriores, entre eles a multiplicação de estudos científicos focando na obtenção e padronização de especificações de qualidade, principalmente relacionadas às bases hierarquicamente superiores daquele consenso. Infelizmente, como já disse, os desafios ainda são grandes e somente devem ser significativamente superados em longo prazo.
A hierarquia de Estocolmo recomenda que o uso clínico se sobreponha a aspectos biológicos ou consensos. O que isso quer dizer exatamente?
A principal finalidade de se definir uma especificação da qualidade como meta de um ensaio laboratorial é assegurar que o desempenho analítico desse ensaio seja suficientemente adequado para garantir a geração de resultados laboratoriais clinicamente válidos. Assim, idealmente, a melhor e ótima especificação da qualidade seria sempre a proveniente da avaliação de impactos dos resultados laboratoriais sobre a tomada de decisão clínica. Em outras palavras, se conseguirmos definir um nível máximo de erro do ensaio laboratorial que ainda não impacte negativamente a tomada de decisão médica, esse nível de desempenho analítico é a especificação da qualidade mínima a ser atingida pelos processos analíticos no laboratório. Isto é, essa seria a meta de desempenho mais confiável a ser implantada e atendida pelo laboratório. Dessa forma, qualquer outra base de especificação da qualidade que não tenha origem no efeito prático sobre a tomada de decisão médica tem importância, utilidade e grau de confiabilidade menor para o laboratório clínico.
Entretanto, a disponibilidade dessas especificações baseadas em uso clínico está restrita a poucos ensaios e utilizações clínicas, por isso outras bases de especificações se fazem necessárias na prática. Além disso, mesmo sendo considerada como fonte primária e “de escolha”, as especificações da qualidade baseadas em uso clínico ainda recebem várias críticas. Isso porque são por vezes geradas mediante protocolos não suficientemente validados (ou padronizados) ou geram especificações consideradas excessivamente amplas, “frouxas”. E, em muitas situações, bem menos restritivas que as especificações baseadas em variação biológica, por exemplo.
Antes daquela conferência, ainda na década de 1960, a especificação já era discutida. Mas por que este tema ainda é considerado novo?
É verdade, a conferência de Estocolmo não foi o momento inicial na discussão do tema. A busca de especificações de desempenho analítico tem sido uma busca contínua e um tema polêmico desde meados do século passado. O Consenso de Estocolmo, entretanto, foi o primeiro esforço bem sucedido em termos de discutir com profundidade o tema, apoiando a padronização e a implantação desse conceito na prática dos laboratórios clínicos. A partir daquele momento, a disseminação da importância das especificações da qualidade foi ampliada, mas ainda em níveis inferiores ao desejado. Esse processo tem sido acelerado com a ampliação das certificações e acreditações de sistemas de gestão da qualidade nos laboratórios clínicos, nas mais diversas partes do mundo. Acredito que esse possa ser um caminho para ampliar a discussão do tema no nosso mercado.
E no Brasil? Como estamos em comparação a outros países?
A questão das especificações da qualidade é ainda um tema pouco discutido e tratado nos laboratórios clínicos em várias partes do mundo. No Brasil, por iniciativa de organizações profissionais, o tema tem sido gradualmente discutido com maior ênfase nos laboratórios clínicos. Acredito que, em razão destas e outras iniciativas entre os laboratórios clínicos no Brasil, estamos em posição destacada frente a vários outros países. Entretanto, o perfeito entendimento dessa temática e aplicação prática na rotina está ainda por vezes restrito a laboratórios de grande e médio porte, salvo exceções. Assim, esforços organizados ainda são necessários para ampliar a abrangência de entendimento sobre as especificações da qualidade e estimular a aplicação prática na rotina dos laboratórios. Iniciativas como a da Controllab, com o livro “Gestão da Fase Analítica do Laboratório: como assegurar a qualidade na prática”, tendem a ser iniciativas importantes e bem sucedidas no objetivo de popularizar e ampliar o entendimento dessa questão, e ampliando a utilização das especificações da qualidade nos laboratórios clínicos brasileiros.
Quais são os principais desafios que se apresentam hoje na especificação da qualidade?
Os desafios são muitos quando tratamos de especificações da qualidade. O maior deles é a existência de diferentes fontes de referência para especificações da qualidade, com bases amplamente distintas. Isso, em última análise, dificulta a padronização e utilização das especificações da qualidade pelos laboratórios. Acaba fazendo com que o laboratório tenha que utilizar diferentes bases teóricas de especificações da qualidade para atender todo o seu cardápio de exames.
Isso dificulta a tomada de decisão? Como decidir qual a mais apropriada?
Certamente. Essa lacuna de abrangência, além do fato de que as diferentes fontes possuem bases teóricas por vezes amplamente distintas, dificulta muito a tomada de decisão, a padronização e a utilização das especificações da qualidade na rotina dos laboratórios. Ela passa a ser uma decisão “caso a caso”, ou seja, individualizada para cada ensaio.
Mas existem algumas diretrizes que podem orientar esse processo de seleção de especificações, como o Consenso de Estocolmo, que disponibiliza uma hierarquia para as diferentes bases de especificações da qualidade. Com essa hierarquia como diretriz primária, as especificações podem ser selecionadas considerando outros aspectos adicionais, como disponibilidade de especificação para cada ensaio e o atendimento desta à atual realidade do laboratório (tecnologia/metodologia analítica utilizada, por exemplo).
Se cada laboratório decidir por uma diretriz, não teremos diferentes níveis de qualidade no mercado? O usuário não saberia escolher?
O usuário dificilmente conseguiria chegar a este nível de entendimento da questão para decidir, optando por um ou outro laboratório para a realização de seus exames. Mas a hierarquia apresentada em Estocolmo conduz os laboratórios no sentido da utilização da melhor fonte de especificação da qualidade possível, sempre com foco atendimento de requisitos do cliente usuário e médico. Mesmo que um laboratório opte momentaneamente por um nível hierárquico menos exigente, ele já tem um norte traçado e se todos seguirmos esta mesma hierarquia estaremos caminhando para um mesmo patamar de qualidade, que permitirá no futuro que diferentes laboratórios atuando em múltiplos mercados apresentem um padrão de qualidade muito similar.
Para os fornecedores deste mercado de diagnóstico também é um desafio? O que eles têm feito a respeito?
O que esperamos dos fabricantes é que nos forneçam tecnologias aptas a atenderem a estas especificações. Contudo isto ainda é pouco divulgado. Os sistemas analíticos já são comercializados com uma declaração da sua capacidade (estudos de inexatidão e imprecisão realizadas pelo fabricante), mas as informações disponibilizadas aos laboratórios ainda não são completas e a maior parte destes sistemas não foi projetada para atender às especificações da qualidade aqui discutidas. Entretanto, isso tende a mudar e algumas iniciativas de fornecedores nesse sentido já podem ser evidenciadas.
Para muitos ensaios já existe tecnologia capaz de atender a esta demanda de desempenho analítico, dependendo apenas de uma boa implantação e gestão para produzir o nível de qualidade desejado. Contudo, também ainda existem muitos sistemas e tecnologias sendo comercializadas, e antigas ainda em uso, que estão muito aquém deste padrão de desempenho. Cabe ao laboratório avaliar os sistemas e tecnologias oferecidos pelo mercado e, inclusive, essa é uma das formas importantes de usar a especificação, na seleção e validação de sistema analítico.
Há necessidade de mais profissionais especializados nesse tema? Podemos dizer que é um campo que está em expansão?
Definitivamente precisamos ampliar o nível de entendimento sobre o tema e, consequentemente, necessitamos de maior número de profissionais com conhecimento sobre o assunto. É um assunto em constante evolução e ainda com importantes oportunidades de desenvolvimento em termos de construção de base de conhecimento.
É um campo de pesquisa e aplicação em expansão; entretanto, ainda em velocidade inferior à necessidade dos laboratórios clínicos e de toda a comunidade médica.
Podemos considerar que ainda é preciso amadurecer mais para ser realmente aplicado?
Não acredito que esperar seja uma boa política quando falamos de especificações da qualidade em laboratórios clínicos. A informação atualmente disponível já nos permite ter consciência do nosso nível de qualidade e dos desafios que devemos enfrentar no sentido de oferecer um maior padrão de desempenho analítico de nossos produtos aos clientes. Anteriormente era uma prática comum aceitarmos o nível de qualidade que nos era ofertado sem avaliar o impacto real disso. Se optamos por acompanhar a evolução deste tema já o utilizando na rotina, consolidaremos o conhecimento sobre o assunto e sobre a nossa realidade atual em termos de desempenho analítico. Mesmo que esta evolução implique em algumas mudanças eventuais de cenário, já estaremos atuando para atingir níveis melhores de qualidade em nossos laboratórios e impulsionando o mercado diagnóstico neste sentido (demandando tecnologias melhores, por exemplo). Adicionalmente, estaremos contribuindo para a evolução do tema.
Onde poderemos obter informações sobre o assunto?
Hoje já existe número significativo de publicações científicas sobre o tema. Westgard disponibiliza muita informação de acesso livre no seu site. No Brasil este assunto já vem sendo discutido em congressos, com uma demanda basicamente levantada pelos programas de acreditação. Agora temos também a publicação do livro da Controllab do qual participei, em que buscamos abordar da forma mais atual e completa o assunto.
Alguma dica para quem quer começar a implantar as especificações da qualidade na sua rotina?
Acho que somos todos aprendizes nesse tema, então diria que vale a pena começar pensando que é um investimento, com retorno a ser obtido no médio prazo. Mesmo que inicialmente pareça que isso gerará apenas um maior custo para o laboratório, lembre-se que na maior parte das vezes não identificamos os custos da “não qualidade” presente em nossos processos, e que pode ser muito oneroso. A partir daí é importante ler mais sobre o tema, selecionar ensaios consolidados e com um bom nível de informação disponível e envolver os profissionais da nossa organização para começar a praticar a ideia e aprender já colhendo os primeiros frutos desta experiência.
O que já era recomendável ganhou força de lei em dois estados: profissionais de saúde estão proibidos de usar jaleco ou avental fora do ambiente de trabalho em Minas Gerais e em São Paulo. As medidas foram tomadas por se acreditar que o vestuário possa ser veículo de transmissão de microrganismos.
No ano passado, uma pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) num hospital universitário com 96 estudantes de medicina indicou que havia contaminação dos jalecos em 95,83% dos casos. O estudo ainda mostrou que os jalecos estavam contaminados principalmente nas áreas de frequente contato, como mangas e bolsos. O principal agente identificado foi o Staphlococcus aureus, considerada um dos principais agentes causadores de infecção hospitalar. O estudo não verificou se a contaminação foi levada adiante.
Em Minas Gerais, a norma foi publicada em março, com prazo de 120 dias para entrar em vigor, o que aconteceria em julho, e não prevê punições. Já em São Paulo, a lei nº. 14.466/11, sancionada pelo governador do estado em junho, prevê multa de R$ 174,50, podendo ser dobrada em caso de reincidência. Ninguém, porém, pode ser multado por ora. Em nota enviada ao “Qualifique”, a Secretaria estadual de Saúde de São Paulo informou que ainda será definido como será feita essa fiscalização, “bem como da aplicação de multas e locais fiscalizados”. A secretaria diz ainda que fará campanhas educativas com hospitais, profissionais de saúde e entidades representativas do setor.
O médico patologista Álvaro Martins, do laboratório central da Santa Casa de São Paulo, vê a medida com bons olhos.
“Acredito que a lei em si tem um mérito específico que é o de chamar a atenção para um problema comportamental”, afirma ele, presidente da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica (SBPC) no período 2008/2009. Martins, porém, acredita que a fiscalização será muito difícil e reconhece: “A lei tem o mérito de ser educativa, mas acho que não estamos preparados”. Martins, que também é professor da Faculdade da Ciência Médica da Santa Casa e médico da rede D’Or, lembra que os profissionais precisam tomar cuidados com outros objetos de uso e pessoal e, principalmente, prestar atenção a práticas básicas, como a de lavar as mãos frequentemente, o que nem todos fazem. “Nos grandes laboratórios, porém, nas áreas técnicas, diferentemente de alguns hospitais, esse tipo de cuidado está mais no cotidiano”, compara ele.
Há divergências, porém, quanto à relevância da lei paulista. Num comunicado publicado em seu site no fim de junho, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) afirmou que não só os jalecos e aventais podem conter germes hospitalares, mas, também, roupas comuns, gravatas, sapatos, bolsas, estetoscópios, óculos e celulares usados por médicos e profissionais de saúde, “o que não significa que essas peças sejam transmissoras de doenças”. Ainda assim, o Cremesp recomenda que não sejam usados jalecos fora do ambiente de trabalho. E incentiva a “adoção de medidas simples e eficazes, como a prática profissional de lavar as mãos durante o trabalho e antes de sair às ruas”. A nota conclui dizendo que “medidas educativas e campanhas de esclarecimento são mais eficazes do que legislações punitivas que assustam a população, afrontam os direitos individuais e ignoram as evidências científicas”.
Em mais um passo no seu propósito de compartilhar conhecimento, a Controllab põe à disposição de clientes, da comunidade laboratorial em geral e de estudantes o segundo volume da série “Gestão da fase analítica do laboratório”. O lançamento ocorre em agosto, durante o 45º Congresso Brasileiro de Patologia Clínica/ Medicina Laboratorial (CBPC/ML), em Florianópolis (SC). Com tiragem de 4 mil exemplares, o livro será distribuído gratuitamente a parceiros da Controllab e doado para bibliotecas de instituições de ensino. É destinado a profissionais que atuam no laboratório clínico e estudantes que tenham interesse nos aspectos práticos de controle da fase analítica. A versão on-line da publicação estará disponível logo em seguida ao congresso.
O segundo volume é complementar ao primeiro livro da coleção. Enquanto na publicação anterior foram abordadas ferramentas consideradas básicas para um processo analítico seguro – como a seleção do sistema analítico, sua validação e equiparação, a uniformização de práticas e os indicadores de desempenho – neste segundo livro os autores apresentam ferramentas que precisam ser adotadas para avaliar justamente a eficiência daquelas ações já implantadas.
Organizado por Carla Albuquerque, gestora de serviços da Controllab, e Maria Elizabete Mendes, responsável pelo núcleo da qualidade e da sustentabilidade da Divisão de Laboratório Central do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, o livro tem cinco capítulos, escritos com a colaboração de sete outros autores. Entre eles, acadêmicos e profissionais de laboratórios privados e de universidades públicas.
Dedicado especialmente a ações de controle e monitoração, livro trata no primeiro capítulo da especificação da qualidade. A partir daí, desenvolve as duas principais ferramentas de controle de qualidade, com destaque para o ensaio de proficiência, que foi abordado de uma forma ampla para que o usuário desmistifique por completo o tema. Discorre ainda sobre a monitoração de processo automatizado, terminando com a abordagem da qualidade da água, que tem impacto em todo tipo de análise.
“O propósito é tratar de todos estes temas com foco na eficiência, ou seja, em maximizar os benefícios que a ações podem proporcionar”, explica Carla Albuquerque, que considera a especificação da qualidade, por exemplo, um tema relativamente novo. “Na verdade é um grande desafio escrever sobre algo que está em plena evolução, mas já será um primeiro passo”, afirma ela.
“São assuntos inter-relacionados, abrangentes, que podem implicar na segurança do paciente e em riscos para a confiabilidade do laboratório”, acrescenta Maria Elizabete, lembrando que os temas não são encontrados facilmente em língua portuguesa.
A coleção procura tratar cada assunto da forma mais prática possível, equilibrando a teoria com exemplos reais. Os capítulos trazem lista de verificação, formas de registros e tudo mais que puder auxiliar o leitor a fazer uso das propostas apresentadas. “Pedimos aos autores que fizessem revisões atualizadas da literatura, conciliando esse trabalho com aspectos práticos de sua experiência pessoal”, destaca Maria Elizabete, acrescentando que< em todos os capítulos há mais de um autor. A ideia foi propor que houvesse discussão sobre cada assunto.
Já está prevista a publicação do terceiro livro da série. Enquanto nos dois primeiros foram abordados temas mais amplos, o próximo deverá tratar ferramentas de gestão relacionadas a algumas áreas específicas do laboratório. “O mercado brasileiro é carente em informações desse tipo, atualizadas e comentadas por especialistas experientes”, avalia Maria Elizabete.
Mais informações sobre a coleção podem ser obtidas no site da Controllab.
Evelyn Rodrigues e Roberto Carlos Dionízio Novais – Divisão de Laboratório Central do HCFM/USP
Para se tornar no ano passado o primeiro serviço de medicina laboratorial público do estado de São Paulo a banir o mercúrio de suas operações, e conquistar por isso uma menção honrosa do Ministério do Trabalho, a Divisão de Laboratório Central (DLC) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC FMUSP) pôs um plano em ação ainda em 2009.
Naquela ocasião, o laboratório já vinha desenvolvendo uma estratégia de gestão ambiental, com base na norma NBR ISO 14001:2004, certificada pela Fundação Carlos Alberto Vanzolini. Reduzir o uso do mercúrio, com substituição de insumos e equipamentos, já era parte dessa estratégia.
Na mesma linha, o Programa Nacional de Mercúrio do Ministério do Trabalho vem alertando a população sobre os riscos causados pela substância. Apesar de já não serem mais fabricados no país, os termômetros de mercúrio ainda são comuns nas casas e nas unidades de saúde. Como o mercúrio não tem odor ruim e se apresenta em forma de bolinhas prateadas, aparentemente inofensivas, as pessoas não associam qualquer possibilidade de risco à substância. Além disso, os problemas de saúde causados pelo metal quase sempre não serão diagnosticados como consequência do contato com ele. A contaminação de terra, ar e água também preocupa, uma vez que penetração da substância acontece mesmo em pisos aparentemente impermeáveis, como a cerâmica.
Consciente desses riscos, a DLC estabeleceu como diretriz estratégica no biênio 2009/2010 ter a certificação do Ministério do Trabalho no Programa Mercúrio Zero. Uma vez estabelecida essa meta, o primeiro passo foi sensibilizar e conscientizar o quadro de funcionários sobre a importância do assunto. Uma equipe multidisciplinar foi criada, reunindo funcionários da gestão de equipamentos, saúde e segurança ocupacional, gestão ambiental e gestão de resíduos. Foi elaborado um planejamento tático operacional, com a destinação de recursos necessários, e dados bibliográficos sobre o tema foram levantados. A partir daí, toda a equipe foi treinada.
Foi preciso fazer inicialmente a análise físico-química dos efluentes do laboratório, com o objetivo de verificar como estava ocorrendo a liberação do metal na rede de esgoto. Os resultados iniciais estavam acima do preconizado por lei. Por conta disso, uma avaliação anual começaria a ser feita. Ao mesmo tempo, foi realizado um levantamento de todos os reagentes e equipamentos que utilizavam mercúrio em sua composição. Iniciou-se a substituição gradativa desses insumos e equipamentos, com a readequação dos processos e atividades.
As lâmpadas fluorescentes, que contêm mercúrio, passaram a ser encaminhadas para um serviço específico de reciclagem através de um contrato de prestação de serviços. Bombonas plásticas de 5 e 20 litros foram destinadas para os resíduos provenientes dos equipamentos.
Esses resíduos são enviados para incineração por uma empresa especializada, mediante contratação específica.
Houve adequações nos procedimentos operacionais e nos registros. São feitas inspeções internas e periódicas no laboratório para que se mantenha a situação livre de mercúrio.
Concluído todo esse trabalho inicial, uma auditoria nas instalações da Divisão de Laboratório Central foi realizada pela equipe do Ministério do Trabalho, que aprovou as ações. A entrega da menção honrosa aconteceu em junho de 2010, durante a Semana do Meio Ambiente.